O cancro da cabeça e pescoço abrange um vasto leque de localizações anatómicas, nomeadamente os lábios, a cavidade oral, as glândulas salivares, a amígdala, a orofaringe e a faringe
O carcinoma epidermóide da cavidade oral (CECO) é o mais frequente entre os tumores da cabeça e pescoço e apresenta elevadas taxas de incidência e mortalidade. Geralmente estes tumores são diagnosticados em estadios avançados e associados a elevadas taxas de recorrência e metastização regional e à distância. Os sinais e sintomas do cancro oral e a terapia a que estes doentes são sujeitos interferem com funções vitais como a alimentação e a fonação.
Estes tumores quando diagnosticados precocemente apresentam um prognóstico favorável. No entanto, e apesar do exame à cavidade oral ser relativamente simples e direto devi- do ao fácil acesso para inspeção visual e palpação, o seu diagnóstico é feito frequentemente de forma tardia.
É importante frisar que a sobrevivência a cinco anos para estes tumores em estadio avançado é aproximadamente de 20%. Portanto, a deteção precoce e, consequentemente, o tratamento célere, apresentam não só menor probabilidade de complicações e melhor resultado a nível funcional e estético, o que se traduz em melhor qualidade de vida, mas também mais sobrevivência. Múltiplos agentes, individualmente ou em conjunto, desempenham um papel importante na génese deste carcinoma. O tabagismo e o consumo de álcool estão associados à grande maioria dos carcinomas epidermóides da cavidade oral, da laringe e da faringe.
A infeção pelo vírus do papiloma humano (HPV) tem vindo também a ser relacionada com o aumento da incidência do cancro da orofaringe em indivíduos mais jovens e sem história típica de consumo de tabaco. No desenvolvimento e progressão do CECO estão descritas várias alterações genómicas e epigenéticas envolvendo diversas regiões cromossómicas, genes e vias de sinalização celular.
Nos últimos anos, vários biomarcadores de diagnóstico e prognóstico têm sido propostos graças à grande evolução tecnológica laboratorial que temos vivido. No entanto, os testes moleculares ainda não estão implementados rotineiramente na prática clínica. Deste modo, a tão desejada medicina de precisão ainda não é uma realidade para estes doentes.
Apesar de se terem dado passos importantes na compreensão dos mecanismos biológicos e moleculares relacionados com o desenvolvimento e progressão do CECO, o que é vital não só para o diagnóstico e prognóstico mas também para a avaliação do risco de progressão das lesões potencialmente malignas, para o diagnóstico precoce de recidivas e metástases e para a seleção e desenvolvimento de novos alvos terapêuticos e terapias dirigidas, verifica-se ainda a falta de estudos de validação em grandes grupos amostrais provenientes de diferentes localizações geográficas, bem como abordagens integrativas de vários dados moleculares provenientes dos mesmos doentes, a fim de identificar assinaturas e perfis moleculares com valor preciso de diagnóstico e prognóstico.
É importante ressalvar que estes tumores são muito heterogéneos a nível fenótipico, etiológico, biológico e clínico e são frequentemente considerados e estudados como uma única identidade, independentemente das diferentes localizações anatómicas onde surgem, dos diferentes estadios, dos diferentes fatores de risco que estão na sua origem e das diferentes modalidades de tratamento aplicadas.
Assim, apesar dos significativos progressos dos últimos anos, é evidente que ainda muito permanece para ser decifrado a nível molecular e celular. Daí a importância de equipas multidisciplinares de forma a se estabelecer uma sólida correlação genótipo-fenótipo e identificar e validar assinaturas moleculares integrativas passíveis de serem utilizadas por rotina na prática clínica com claro benefício para os doentes.
Atualmente, a localização anatómica e o estadio do tumor direcionam o tratamento, embora doentes com características clínico-patológicas semelhantes possam apresentar diferentes evoluções da doença. Portanto, os métodos histopatológicos baseados em biópsias de tecido não conseguem classificar e fornecer o prognóstico preciso destes tumores.
Para além disso, após o tratamento definitivo, os doentes são acompanhados com exames radiológicos, que geralmente não permitem a deteção precoce das recorrências. Existem várias linhas de investigação no CECO de forma a caracterizar estes tumores do ponto de vista genómico e epigenético, tirando partido das tecnologias de larga escala que permitem estudar todo o genoma. O DNA tumoral pode também ser detetado e avaliado em biofluidos, de forma minimamente ou não-invasiva, e os seus níveis refletem a carga tumoral permitindo a monitorização dos doentes durante e após o tratamento, auxiliando na predição do desenvolvimento clínico e na resposta ao tratamento.
No laboratório de Citogenética e Genómica da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, têm vindo a ser desenvolvidos vários estudos com vista a caraterizar molecular- mente o CECO e prever o risco dos doentes recém diagnosticados a desenvolverem recidivas/ metástases usando abordagens integrativas e tecnologias quer direcionadas quer de larga escala para estudar todo o genoma, epigenoma, transcriptoma e proteoma. A identificação de novos biomarcadores de prognóstico e assinaturas moleculares com potencial translação para a prática clínica tem sido o foco do nosso trabalho.
O estudo das biópsias líquidas, que consiste na deteção de componentes derivados dos tumores, incluindo DNA tumoral em circulação (ctDNA, do inglês circulating tumor DNA), em biofluidos como o sangue e a urina, tem também sido alvo da nossa investigação. As bióp- sias líquidas ultrapassam várias limitações das biópsias de tecido, visto serem minimamente invasivas, fáceis de repetir durante o acompanhamento clínico do doente e, capazes de dete- tar a heterogeneidade tumoral.
Assim, temos vindo a explorar o potencial das biópsias líquidas na monitorização dos doentes com CECO e avaliar e comparar as caraterísticas mutacionais do ctDNA e dos tecidos tumorais correspondentes por sequenciação de nova geração (NGS, do inglês Next- Generation Sequencing).
Como estes doentes apresentam, em geral, mau prognóstico devido ao desenvolvimento de metástases/recidivas após o tratamento, os resultados alcançados pelo nosso grupo focam-se essencialmente na identificação de biomarcadores e assinaturas moleculares de prognóstico e na predição da evolução clínica destes doentes para que possa ser realizada uma gestão e intervenção clínica atempada e mais personalizada.
Este trabalho inclui uma equipa multidisciplinar de diferentes serviços clínicos do CHUC, departamento de medicina dentária e Laboratórios da FMUC (iCBR-CIMAGO)- Laboratório de Bioestatística e Informática Médica e Laboratório de Citogenética e Genómica.