Em princípio este não seria assunto para escrever uma crónica numa revista sobre medicina dentária. Contudo, entendi que este poderia ser um momento oportuno para relembrar a “teoria dos jogos”, o ramo da matemática aplicada
que John Nash investigava e que encontrou uma aplicação em todos os domínios da vida onde existe algum tipo de competitividade e interação entre tomadores de decisão. Sejam elas pessoais, empresariais, militares ou políticas.
Um dos “jogos” mais conhecidos é aquele que se designa como o dilema do prisioneiro. O exemplo clássico consiste em dois prisioneiros e na decisão de alegarem inocência ou entregarem o outro. A verdade é que, se ambos negarem o crime, os dois podem sair em liberdade. No entanto, se um entregar o outro, o acusado recebe uma pena pesada e o delator uma leve. Se ambos se acusarem um ao outro, os dois arriscam penas pesadas.
Agora imaginemos duas clínicas dentárias na mesma rua ou vila. Inicialmente, apenas existia uma clínica e a sua tabela de custos de tratamentos era elevada e obtinha lucros altos devido à falta de concorrência. Passado um tempo, foi inaugurada uma nova clínica no prédio ao lado e, quando esta lançou a sua tabela de preços, decidiu cobrar valores mais baixos do que a primeira. Isto potenciou que grande parte dos pacientes mudassem de clínica, aumentando os lucros da mais recente e reduzindo os da primeira. É evidente que uma ação deste género não ficou sem reação e a primeira clínica reduziu também os seus preços e aplicou descontos. O resultado foi que ambos acabaram por ter menos lucros. Em seguida, começaram uma “guerra de preços”, em que um baixou o preço e o outro viu-se obrigado a responder da mesma forma.
Atraídos pelo benefício de “vencer” o concorrente, criou-se uma batalha sem fim atrás do preço e o risco de destruição do mercado tornou-se iminente, pois atingiu-se o nível em que o preço se começou a praticar abaixo do custo.
A aplicação que o Equilíbrio de Nash veio trazer para as comunidades que vivem em concorrência foi a prova de que a competitividade estratégica racional não deve ser feita através das “guerras de preços”. De acordo com a teoria do matemático norte-americano, aquilo que a segunda clínica deveria ter decidido era a manutenção dos preços altos da primeira clínica ou chegar a um acordo com esta para entrar num “equilíbrio” conjunto sobre quais os valores a
praticar para que ambos continuassem a obter lucros. Esta é a realidade com que os mercados competitivos e organizados, como a indústria farmacêutica e a aviação comercial, funcionam. Infelizmente, em Portugal, em vários sectores e, no caso da medicina dentária em particular, a motivação para se baixar os preços encontra-se na linha da frente da gestão e é uma prática recorrente. Esquece-se, porém, que, atrás da baixa dos preços, vão-se os lucros, a qualidade, os
empregos, a felicidade e as famílias.
O “equilíbrio de Nash” é um dos conceitos mais importantes jamais desenvolvidos e que deveria ser conhecido por todos os empresários dos mais diversos ramos. Acontece que, se a competitividade não for vivida de forma estratégica e racional, os interesses próprios acabam por prejudicar todos, sem exceção. Essa foi a mensagem que John Nash veio trazer ao mundo.
Falta apenas ser aplicada. Paz à alma de um dos maiores génios do século XX e XXI.
Fernando Arrobas M.C – Crónica
fernando.arrobas@jornaldentistry.pt
Diogo Costa - Ilustração:
dcosta_4@msn.com
Nota da Redação:
John Forbes Nash
- Matemático,
Prémio Nobel de Ciências
Económicas.
(13 de junho de 1928 / 23 de maio de 2015).
John Forbes Nash Jr. trabalhou com teoria dos jogos, geometria diferencial e equações diferenciais parciais, exercendo as funções de Matemático Sénior de Investigação na Universidade de Princeton, USA |