JornalDentistry em 2023-7-07
O tabagismo e o vírus do Papiloma Humano (HPV) são fatores de risco bem conhecidos para o cancro de cabeça e pescoço, mas há amplas evidências que mostram que eles podem interagir para aumentar ainda mais o risco de contrair a doença,
São as conclusões de um estudo realizado por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) Brasil e da Universidade do Chile. Um artigo sobre o estudo foi publicado no International Journal of Molecular Sciences.
Os resultados do estudo esclarecem aspetos dos mecanismos moleculares envolvidos no cancro de cabeça e pescoço, abrindo caminho para novas estratégias de prevenção e tratamento, ou outras intervenções que poderiam beneficiar os pacientes.
O cancro de cabeça e pescoço é um grupo de cancros de boca, nariz, seios nasais, amígdalas, garganta e tireoide. Afetou cerca de 830.000 pessoas em todo o mundo em 2020, causando a morte de mais de 50%. No Brasil, causou quase 21 mil mortes em 2019, segundo os dados mais recentes do Instituto Nacional do Câncer (INCA). Historicamente falando, suas principais causas têm sido álcool, tabaco e má higiene oral, mas nas últimas décadas o HPV tornou-se um fator de risco significativo, especialmente para pessoas mais jovens e pacientes relativamente abastados. O cancro de cabeça e pescoço é hoje um dos tipos de cancros associados ao HPV que mais crescem no mundo.
"Em vez de continuar a analisar o tabagismo e o HPV como fatores oncogénicos separadamente, propusemo-nos a nos concentrar na sua possível interação."
Segundo Enrique Boccardo, um dos autor do artigo e professor do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) no Brasil
"Tanto o tabagismo quanto o HPV estão associados ao aumento do stresse oxidativo e danos no DNA, que são fatores no cancro e, de acordo com pesquisas anteriores, podem regular a superóxido dismutase 2 [SOD2], um suposto biomarcador da malignidade do cancro oral e outras doenças associadas ao HPV."
Os pesquisadores primeiro conduziram experiências in vitro para analisar células orais que expressavam as oncoproteínas HPV16, E6 e E7 [mostrando infeção por HPV] e foram expostas ao condensado de fumo de cigarro. Verificou-se que os níveis de SOD2 e danos no DNA aumentaram significativamente em comparação com os controles, apontando para uma interação prejudicial entre o HPV e o fumo do cigarro. As células controle expressaram menos SOD2 do que as células que expressaram E6 e E7 ou as células expostas à fumo do cigarro, enquanto as células que expressaram as oncoproteínas e foram expostas ao fumo do cigarro expressaram mais SOD2 do que qualquer uma delas, indicando interação entre a presença dos genes do HPV e o fumo do cigarro.
A segunda etapa do projeto, apoiada pela FAPESP (bolsas número 2010/20002-0 e 2019/26065-8), envolveu a análise de dados genómicos de 613 amostras do The Cancer Genome Atlas (TCGA), um repositório público contendo as mutações genéticas responsáveis pelo cancro (derivadas do sequenciamento genómico e da bioinformática). Os pesquisadores concentraram-se na análise das transcrições SOD2 para confirmar os resultados.
Ponto de partida "Embora os estudos in vitro ocorram em um ambiente artificial, eles são um ponto de partida para uma compreensão do que acontece em modelos mais complexos e podem nos permitir no futuro intervir objetivamente com algum benefício", disse Boccardo. "Por exemplo, atualmente a vacinação contra o HPV só está disponível no SUS [Sistema Único de Saúde] para crianças de 9 a 14 anos, porque estudos evidenciaram sua eficácia contra patologias genitais, mas acredito que deveria ser possível considerar o alargamento da faixa etária para prevenir doenças em outras regiões anatómicas."
Este estudo em particular, acrescentou, traduz os resultados obtidos em laboratório para análises clínicas, superando o "calcanhar de Aquiles" da investigação básica, que é a dificuldade de acesso a amostras humanas, graças aos avanços tecnológicos que levaram à criação de bases de dados para amostras humanas como a utilizada no estudo. Estas bases de dados incluem análise de RNA e expressão de proteínas, bem como contêm dados recolhidos durante longos períodos.
"O próximo passo seria aumentar a complexidade do modelo utilizado, analisando a questão funcional no contexto da expressão normal das proteínas virais, onde o promotor do HPV regula de fato a expressão de E6 e E7", disse Boccardo. "Não podemos esquecer, por exemplo, que eventos como processos inflamatórios não podem ser vistos in vitro, mas são conhecidos por desempenharem um papel muito importante nos resultados da doença."
Fonte: Oral Cancer Foundation / São Paulo Research Foundation (FAPESP)