Poucos meses antes desse dia, mais precisamente entre Setembro e Outubro de 1944, tinha estado ali presente em Birkenau a jovem autora de um diário pessoal que se viria a tornar num dos livros mais lidos e traduzidos de todo o mundo. Anne Frank, que entretanto havia sido deportada para o campo de Bergen-Belsen onde viria a falecer em Março de 1945.
Foi com apenas 13 anos de idade que Anne Frank, nascida em Frankfurt (1929) e residente em Amesterdão desde o ano em que o Poder Nacional Socialista começou a governar a Alemanha (1933), se viu na obrigação de viver escondida do resto do mundo num ‘sótão’ secreto. Incluindo os seus familiares, foram sete os seus companheiros de esconderijo. Um deles era Fritz Pfeffer, dentista e colega de quarto de Anne, descrito no seu diário como Albert Dussel.
Na verdade, os relatos do diário da jovem alemã de origem judaica não eram propriamente favoráveis ao dentista de 53 anos de idade. O facto de ter de partilhar o seu espaço com um homem tão mais velho, enquanto a sua irmã Margot ficava com os pais, nunca deixou Anne totalmente confortável. Queixava-se de longos sermões e excesso de disciplina. Inclusivamente, segundo análises literárias dos seus escritos, o pseudónimo Dussel não lhe foi atribuído ao acaso, uma vez que o mesmo termo, em alemão, significava ‘macaco’ ou ‘idiota’.
Ao invés, a opinião de Fritz Pfeffer sobre Anne Frank nunca ficou registada. Foi por isso que a historiadora holandesa Nanda van der Zee decidiu realizar a sua própria investigação e publicar o livro The Roommate of Anne Frank (Lakeman Publishers, 1990), onde recriou a história de vida do homem que sobreviveu à seleção em Auschwitz, mas que acabou por morrer de enterocolite no campo de Neungamme a 20 de Dezembro de 1944. Neste manuscrito, a sua imagem de homem bondoso foi restabelecida. Apaixonado por Charlotte Kaletta
com quem não conseguiu casar e feliz por ter conseguido deportar a tempo o seu filho Werner para Inglaterra, viu-se na obrigação de encontrar um esconderijo por não ter conseguido fugir para a América do Sul devido à imposição de leis de imigração anti judeus em países como o Chile e o México. Durante os dois anos de cativeiro, foram encontradas provas de que ajudava com dinheiro, alimentos, produtos de higiene e providenciava tratamentos dentários aos seus companheiros de clausura. Nas palavras de Miep Gipes, uma das ajudantes dos
oito judeus ‘escondidos’ e que guardou o diário de Anne Frank após terem sido descobertos,
“um homem adorável... e um dentista fantástico!”
Text: Fernando Arrobas MD fernando.arrobas@jornaldentistry.pt
Ilustração: Diogo Costa
dcosta_4@msn.com
|