O JornalDentistry em 2021-7-21
A publicação científica em revistas especializadas é um dos métodos à disposição dos académicos para demonstrar o seu talento
É deste modo que os investigadores procuram garantir o seu progresso na carreira científica e obter financia- mento para as instituições a que se encontram associados.
Como tal, a autoria de artigos científicos tornou-se a métrica fundamental de recrutamento nos centros de investigação e universidades, onde a pressão para publicar é tremenda. Nos dias de hoje, o aforismo “Publish or perish”, atribuído a Clarence Marsh Case ainda em 1928 no livro Sociology and Social Research, tornou-se mais realidade do que nunca.
Na verdade, esta cultura de pressão tem criado alguns danos na credibilidade da ciência. Não apenas se tem assis- tido a algumas práticas menos éticas, como a proliferação de jornais científicos “open-access” tem contribuído para uma redução geral da qualidade científica. Adicionalmente, esta imposição diminui o tempo e o esforço que os professores podem dedicar ao ensino, acabando quase por nem conse- guir atualizar as suas aulas com a ciência que produzem.
De facto, vários investigadores têm questionado se esta direção deve ser continuada. Outros, porém, conscientes de que pouco ou nada será feito nos próximos tempos para alterar este paradigma, têm procurado resolver este proble- ma a montante, focando-se em ajudar os leitores a selecio- nar e analisar criticamente os artigos que “valem a pena”. Cada vez se encontram mais papers que tratam os “top mis- takes made in scientific research”. De forma resumida, estes são apontados como os dez “erros” mais comuns na litera- tura científica:
1. Questão de investigação e hipóteses pouco claras, sem utilização do sistema PICO (Patient, Intervention, Compari- son, Outcome);
2. Revisão da literatura científica incompleta, desatualiza- da e sem especificar os aspetos críticos que levam à perti- nência do estudo realizado;
3. Indefinição no uso de métodos probabilísticos ou não probabilísticos na obtenção da amostra e respetivo cálculo a priori da sua dimensão mínima;
4. Materiais, métodos e análise estatística sem uma descrição suficientemente detalhada, de forma a permitir a reprodutibilidade do estudo e a obtenção de resultados equivalentes por um investigador independente;
5. Duplicação da apresentação dos resultados no texto e em tabelas ou gráficos;
6. Representações gráficas de fraca qualidade;
7. Sobre interpretação dos resultados, em particular no estabelecimento de relações de causa efeito em estudos correlacionais;
8. Não descrever de uma forma “aberta e honesta” as limitações do estudo, assim como os potenciais enviesa- mentos ou variáveis confundentes;
9. Uso incorreto da linguagem e termos científicos (por exemplo, “aceitar a hipótese nula” vs. “reter a hipótese nula”);
10. Revisão final pouco cuidadosa, com erros gramaticais e tipográficos.
A falta de rigor na investigação científica e consequente informação de fraca qualidade fragilizam a sociedade. No caso da saúde em especial, todos os cuidados devem ser poucos, pois é a partir deste conhecimento que os estudan- tes ou profissionais de saúde tomam decisões clínicas no seu dia-a-dia. É por isso que, à medida que a cultura “Publish or Perish” para os investigadores se adensa, também os leito- res devem criar a sua contracultura de “Good or Garbage”. Os leitores mais conscientes serão capazes de exigir melhor - em vez de mais - investigação. Todos ficaremos a ganhar.
Fernando Arrobas
Médico Dentista. Doutorado pela Universidade de Lisboa Professor de Estatística e de Metodologias de Investigação fernando.arrobas@jornaldentistry.pt