JornalDentistry em 2023-5-16
A saúde oral, em muitos países a nível mundial, é efetivamente um problema de saúde pública com uma elevada prevalência.
Antóno Costa, médico dentista e Presidente da Comissão Organizadora da APOMED-SP.
Estima-se que cerca de 3,5 mil milhões de pessoas, segundo a Organização Mundial de Saúde, sofram deste tipo de patologias, com três quartos deste número a pertencer a países em desenvolvimento. De acordo com o Global Burden of Disease, 52% das doenças mais frequentes na Europa, onde em 2019 se estimou que metade da população sofria deste tipo de patologias, são as doenças orais, tais como edentulismo, doença periodontal e cárie. Contudo, neste capítulo, Portugal é um dos países em que os números ficam largamente aquém das expectativas, agravado pelo facto de que é um país com um número muito superior ao necessário de médicos-dentistas: pelo menos 35% dos utentes apresentam necessidades de tratamento dentário não correspondidos, um nível claramente superior aos restantes países europeus.
Segundo o Barómetro de Saúde Oral da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD), cerca de um quarto dos portugueses nunca visita o médico dentista ou fazem-no apenas em situações de urgência; quanto menor a escolaridade e a classe social, menor a regularidade de visitas ao médico dentista. Este dado levanta duas grandes preocupações: por um lado, não está assegurado o direito à saúde, consagrado na Constituição Portuguesa; por outro lado, demonstra uma grande vulnerabilidade dos programas existentes, nomeadamente a nível de literacia em saúde. Como plasmado pelo Dr. Miguel Pavão, Bastonário da OMD, “não há saúde geral sem saúde oral e não há saúde oral sem médicos dentistas”. Uma grande parte da população não tem cuidados médico-dentários com a regularidade devida; se a falta de literacia é um problema, os custos elevados também e o número de médicos dentistas e consultórios existentes na rede pública são manifestamente insuficientes.
Um outro flagelo a que assistimos diariamente é o cancro oral. A Ordem dos Médicos Dentistas e o Grupo de Estudos do Cancro da Cabeça e do Pescoço demonstraram em 2021 que 15 em cada 100 mil portugueses tem cancro oral, e dois em cada três casos são detetados em fase avançada, o que dificulta o tratamento e diminui a sobrevida. Acima de tudo, trata-se de uma das doenças mais comuns a nível mundial e, na realidade portuguesa, em que nem todos têm acesso a cuidados médico-dentários, lidamos com uma bomba-relógio. Estará tudo a ser feito para mitigar este problema?
Apesar destes dados, nem tudo é mau: assistimos a um quadro de mudança na saúde em Portugal. De cima a baixo, come- çando pelo modelo de gestão à qual não fica alheia, logicamente, a medicina dentária. Como todos sabemos, o atual modelo de integração da medicina dentária no Serviço Nacional de Saúde está esgotado, em todas as suas vertentes. A referenciação dos utentes é um processo moroso e que poderá ter várias etapas, com claro prejuízo dos utentes que ficam presos em listas de espera. Há uma grande rotatividade de profissionais devido às condições contratuais, altamente precárias, sejam médicos dentistas ou mesmo assistentes dentários, o que se reflete em perdas para o doente que não vê uma continuidade do seu tratamento pelo mesmo profissional. Em termos de prevenção de saúde oral, nem sempre são os profissionais mais habilitados como os higienistas orais ou os médicos dentistas que o fazem, com os resultados que estão à vista e que urgem melhorar.
Contudo, há boas notícias: O PRR pode representar soberana oportunidade de amplificação de novos gabinetes de medi- cina dentária que, com fundos comunitários, pode proporcionar acesso a toda a população a cuidados médicos dentários. O facto de todos estes temas estarem a ser discutidos e, acima de tudo, estarem na ordem do dia dos nossos responsáveis pela saúde é outra excelente notícia: o ministro da Saúde, que se comprometeu publicamente numa cerimónia da Ordem dos Médicos Dentistas com a criação de modelo estável e digno para estes profissionais no Serviço Nacional de Saúde. Também a direção executiva referiu que pretende “cativar e fixar médicos dentistas no SNS, através da criação de condições laborais que dignifiquem a profissão”. A carreira especial de medicina dentária foi criada e aprovada pelo Ministério da Saúde em 2018, contudo, nunca foi implementada, apesar de muito prometida. Tal como a criação do SNS foi um marco e António Arnaut imortalizado, podemos estar na génese de um novo marco histórico na saúde, desta feita com a inclusão da medicina dentária. Será desta que se implementará um serviço de medicina dentária e uma carreira que dignifique os profissionais que garantirão o acesso à população a estes cuidados?
A APOMED-SP, Associação Portuguesa de Médicos Dentistas dos Serviços Públicos, tem-se pautado, desde a sua fundação em 2018, pela constante luta na melhoria dos índices de saúde oral e, acima de tudo, lutado pela implementação de uma carreira de medicina dentária. Faz o seu encontro anualmente. Este ano o 6.º Encontro Nacional dos Médicos, que irá decorrer em Espinho nos dias 2 e 3 de junho, reveste-se de especial importância pelas razões anteriormente citadas. Na tradicional mesa-redonda “Políticas de Medicina Dentária para os Serviços Públicos”, contaremos com o senhor Bastonário da OMD, com o Prof. Dr. Francisco Goiana da Silva, da DE-SNS e com o Prof. Dr. Julian Perelman. Teremos também a Engenheira Joana Vilas Boas, por parte da SPMS e ainda o Dr. Bruno Moreno da USF-AN, que irão discutir o trajeto de referenciação do utente. Contará de igual forma com um excelente programa científico e com duas inovações: um prémio para o melhor trabalho científico sob a forma de poster, que pretende divulgar trabalhos efetuados no âmbito dos Serviços Públicos, e ainda um prémio jornalístico que premiará o melhor trabalho efetuado sobre medicina dentária nos serviços públicos. Um agradecimento especial a todos os patrocinadores que terão a sua área de exposição própria e que permitem que anualmente se consiga juntar colegas de todo o país, seja do continente ou das ilhas.
Será que neste 6º Encontro, com a presença dos membros de tutela da saúde, chegarão os médicos dentistas à tão esperada Terra Prometida?
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