O JornalDentistry em 2016-4-13
A política brasileira vive tempos de tal forma tumultuosos que captou as atenções de todo o mundo. Em Portugal, as notícias sobre a posse ou não de Lula da Silva como ministro da Casa Civil foram capa de jornal, abertura de noticiários na televisão, com direito a acompanhamento das manifestações em direto e a um corrupio infindável de comentários de especialistas.
De forma inevitável, acompanhei a crise brasileira com alguma atenção. E, subitamente, ouvi o seguinte num discurso do ex-presidente brasileiro perante os seus apoiantes: “Jesus Cristo sofreu mais do que nós... Tiradentes foi crucificado e somente depois de mais de cem anos é que foi transformado em herói... Se a gente tem de pagar esse preço, vamos pagar!”.
Despertada a curiosidade, decidi aprofundar a investigação. Tiradentes, de nome completo José Joaquim da Silva Xavier, é considerado como um mártir da independência do
Brasil. Nome de cidade, praças, avenidas, patrono cívico da nação brasileira com direito a estátuas e efígie na moeda de cinco centavos, é visto como um herói no seu país. Nascido na Fazendo do Pombal em 1742, no estado de Minas Gerais, cedo ficou órfão e foi submetido à tutela do seu tio e padrinho Sebastião Ferreira Leitão, que exercia o estatuto profissional de dentista. Entre outras profissões que exerceu durante a vida, tais como mineiro, comerciante e militar, foi durante esse período de crescimento que aprendeu as noções básicas da arte dentária. Dele se dizia que “tirava dentes com a mais subtil ligeireza e ornava a boca de novos dentes, feitos por ele mesmo, que pareciam naturais”. Por um lado, diz-se que foi daí que lhe adveio a alcunha, mas por outro, existem narrativas que referem que o nome concreto de “Tiradentes” lhe foi atribuído apenas durante o seu julgamento de forma pejorativa e depreciativa.
Sonhador e idealista, à medida que tomava consciência da riqueza de sua terra e da exploração de que era víti- ma, cresceu em si a ideia de uma revolução libertadora, à semelhança do que tinha acontecido nos Estados Unidos da América. Começou então a dar corpo ao movimento que ficou na história com o nome de Inconfidência Mineira. Acabou por ser preso no dia 10 de maio de 1789, passando quase três anos numa masmorra escura, totalmente inco- municável, não falando com mais ninguém senão o seu padre confessor. Inicialmente, negou tudo. Contudo, isolado de qualquer apoio ou influência, acabou por assumir toda a responsabilidade pela conjura, inocentando os restantes conspiradores e acabando por ser o único com a sentença de morte, esquartejamento e colocação dos remanescentes do seu corpo em diversos lugares públicos.
Tenha sido apenas uma comparação infeliz ou fruto de desconhecimento absoluto por parte de Lula da Silva, a verdade é que, perante a história deste ícone brasileiro, por acaso especialista também na arte de extrair dentes, percebi que não valia a pena continuar com a televisão ligada. Tudo o que tinha a aprender com este assunto, já estava apreendido. E agora aqui ficou partilhado.
Texto: Fernando Arrobas, médico dentista fernando.arrobas@jornaldentistry.pt
Ilustração: Diogo Costa dcosta_4@msn.com
(Réplica de “Skull of a Skeleton with Burning Cigarette”)