O JornalDentistry em 2020-5-28
Na passada 2ª feira, vi o meu dentista vestido de astronauta. Parecia ter saído de um filme do Woody Allen, o Herói do ano 2000.
Liliana Carvalho - Professora
Abriu o consultório para consultas não urgentes e lá estava ele, equipado a rigor. Partilhou a imagem comigo e rimos um pouco, não sem antes ele dizer “Proteja-se!”, com a calma que o caracteriza. “Look dentista em tempos de COVID-19, 2020” foi o nome de batismo da vestimenta.
Minutos depois, ainda com a imagem bem presente, pensei para comigo… e o sorriso, onde estáo sorriso?
Pode parecer estranho começar assim um texto para uma revista especializada, mas a visão de um paciente nunca é a mesma de um clínico. Mais ainda quando o médico dentista que nos segue é o mesmo há vários anos, já se tornou num amigo da família e é um habitué na partilha de histórias e larachas pelas redes sociais. As consultas têm sempre um momento de conversa, de descontração e até de desabafo do que fica e vai da espuma dos dias. Mesmo com toda a parafernália de equipamento inerente a uma consulta, sinto sempre naquela cadeira a confiança que me faz voltar regularmente.
É preciso dizer que nunca fui uma paciente fácil…
Estão a ver aquela imagem das crianças a correr pelo consultório porque não se querem sentar numa cadeira? Pois é, para mim, durante muito tempo, só a lembrança daquele barulhinho insuportável dos instrumentos para as destartarizações e afins, já provocava arrepios suficientes para, mesmo já adulta, pensar em imitar essas crianças e, numa de Forrest Gump, correr para bem longe da cadeira que tantas palpitações provocava.
Desde os dramas infantis para não usar aparelho (sim, nos anos 80 não eram bonitos e o sorriso metálico não era nada fashion!) até à “desvitalização” de um ou outro dente, a cadeira do dentista sempre provocou em mim arrepios… Hoje, nada é assim. Consegui não usar aparelho (aleluia!), a cadeira do dentista também não me provoca ansiedade. Tudo porque há anos que tenho confiança total no dentista que me segue. Um dentista que conheci já em adulta e me transformou numa paciente assídua e regular e que segue com total confiança os conselhos e recomendações dados a cada consulta.
Quando os consultórios fecharam, eu tinha consultas marcadas. Uma de rotina e outra para a colocação de um implante. Ligaram-me a adiar as consultas e, no minuto seguinte, mandei uma mensagem ao meu dentista para saber se as urgências se mantinham e se ele me atendia se precisasse….
Há poucas coisas piores que uma dor de dentes e eu já tive algumas. A minha primeira preocupação foi ver como resolveria uma putativa dor de dentes que teimasse em aparecer em plena pandemia. A tranquilidade apareceu minutos depois quando me respondeu a dizer que, evidentemente, continuava a atender urgências e para lhe telefonar se precisasse.
Até hoje, não foi necessário.
Agora que as rotinas começam a voltar à normalidade possível, creio que, mais do que nunca, a palavra confiança é fundamental na relação entre o clínico e o paciente. No entanto, será possível manter a proximidade? Tornar-se-ão as consultas assépticas e impessoais? Há um protocolo a seguir e é óbvio que tem de ser religiosamente cumprido, tanto por clínicos como por pacientes. E o conforto dos próprios dentistas, estará ele assegurado? Nestes tempos de COVID-19, é como se muitos de nós tivéssemos sido chamados a reaprender o exercício das profissões. Práticas que tínhamos rotinizado tiveram de ser reequacionadas e novas rotinas tiveram de ser criadas.
À medida que escrevo este texto, há outras dúvidas que me assolam. Por exemplo, se for ao dentista, terei de ficar algum tempo sem visitar os meus pais? Bem sei que pode ser uma dúvida muito palerma, mas a perspetiva de poder colocá-los em risco deixa-me intranquila. Poderei agendar tratamentos que implicam várias sessões, como implantes, sem a certeza de não voltar a ser decretado o fecho dos consultórios? Será importante esclarecer todas as dúvidas antes de iniciar tratamentos que possam ter de fazer por etapas. É preciso lembrar que escrevo como paciente e, nessa condição, há dados que não tenho presentes.
É ao clínico que tenho de pedir uma informação clara e fidedigna.
Quem nos trata do sorriso, alegra-nos a alma. O trabalho do dentista é quase poético - há qualquer coisa de Ode Triunfal no manusear das brocas e alicates, fórceps e pinças, seringas e agulhas. Quando nos sentamos, é a tranquilidade de quem fala connosco que nos acalma para, a seguir, com segurança e eficiência, mas também com afeto, realizar todos os tratamentos dentários.
Por isso, espero que todas as medidas de segurança sejam tomadas com humanismo, respeitando o protocolo profissional, mas também a proximidade entre clínico e paciente. Numa palavra, há que sentir e continuar a encontrar o sorriso… Para que a cadeira do dentista continue a sorrir e a tratar de sorrisos.