Comecei a escrever este editorial em plena fase de contenção do COVID-19 em Portugal. Ainda sem casos de disseminação do contágio livre entre a população em geral e sem vítimas mortais. E como profissional de saúde que escreve para profissionais de saúde, continuo a pensar que faz sentido refletir aqui, neste espaço privilegiado sobre o tema.
Ora há quem diga já por brincadeira que este vírus, a exemplo da “pasta”,
foi criado na China, mas foram os Italianos que o disseminaram pelo
mundo todo! Pelo menos na Europa parece mesmo ser o caso.
Até ao momento pensávamos que o medo e exclusão social não seriam
o caminho certo para a sua contenção. Pensávamos que não seria possível
o auto-isolamento da vida normal e mesmo a quarentena dos 14 dias parecia
um pouco utópica...senão vejamos. Nesses 14 dias em casa, teríamos
de comer, pelo menos. Teríamos de ir ao supermercado, ou alguém tinha
de o fazer por nós e trazer-nos as compras. E depois, esses sendo dos nossos
ou apenas dos que prestam o serviço de entrega ao domicílio entrarão
noutras casas, noutros supermercados, noutros carros...Obviamente a
diminuição dos contactos e do contacto social limita e contém o vírus, mas
também abranda, paralisa uma sociedade.
Como profissionais de saúde a trabalhar a uma distância de proximidade
profissional de cerca de 40 cm da boca do paciente somos mais do que profissionais de risco a esta nova infeção. Um estudo clínico recente indica que 29% dos pacientes hospitalizados com pneumonia infetada por COVID-19
em Wuhan, China, são profissionais de saúde. Como na broncoscopia, a
inalação de partículas e aerossóis no ar produzidos durante procedimentos
de medicina dentária em pacientes com COVID-19 é de alto risco, pelo que
os médicos dentistas estão diretamente expostos a este vírus.
Pelo que a ciência apurou até à data, existem um mínimo de três vias
diferentes para o COVID-19 se apresentar na saliva: primeiro, a partir
do COVID-19 no trato respiratório inferior e superior, em segundo lugar,
o COVID-19 presente no sangue pode aceder à cavidade oral via fluído
crevicular e em terceiro lugar pela infeção das glândulas salivares major
e minor, com subsequente liberação de partículas na saliva pelos ductos
salivares.
Portanto, era crucial para os profissionais de medicina dentária, para
além do lado pessoal, refinar estratégias preventivas para evitar a infecção
por COVID-19.
Ainda a tempo desta edição de Março e apenas uma semana depois
de ter começado a escrever este editorial, corrijo completamente o tiro,
aliás fi-lo constantemente, todos os dias desta semana, cancelando cursos,
adaptando protocolos de trabalho e fechando a atividade clínica numa sexta-
feira 13. Antecipando-me, como aliás outros colegas, ao que vem por aí,
sem saber tão pouco o que vem aí. Mas fechada em casa, como tem de ser,
como só pode ser. E lendo sobretudo os comportamentos dos outros que
estão à frente de nós na luta, na guerra contra a pandemia COVID-19. Uma
China que constrói um hospital na primeira semana que deteta casos, uma
Itália inteira de quarentena, isolada, uma Espanha fechada.
Se vai passar não sei. Quando vai passar também não sei. Mas sei que
se e quando tudo isto passar, ficará pelo menos o hábito de lavar mais frequentemente as mãos e proteger a boca quando se tosse ou espirra! E um
novo provérbio surgirá: “O que na China se criar, Itália nos fará chegar!”