O JornalDentistry em 2021-2-23

EDITORIAL

"Os últimos dos primeiros"

á começou há mais de um mês a primeira fase da vacinação para a COVID-19. Desta fase, fazem parte trabalhadores de saúde que pela natureza dos cuidados que prestam têm mais risco de contrair a doença.

Célia Coutinho Alves, DDS, PhD, médica dentista doutorada em periodontologia, diretora do "O JornalDentistry"

Mas na verdade, a inclusão dos profissionais de saúde na primeira fase não está somente relacionada com a cálculo do risco, mas com a mensagem que tinha de ser dada à opinião pública de que a vacina é segura e essencial no controlo desta pandemia. Nesta primeira fase estão incluídos os médicos dentistas. Pelo risco, pensaremos nós, já que pela mensagem de confiança a ser dada à população dos votantes, pouco teremos a acrescentar depois dos médicos das urgências hospitalares, unidades de cuidados intensivos e dos serviços de doenças infetocontagiosas. 

A primeira fase, julgo eu, que se designará assim porque antecede a segunda, e esta a terceira e assim sucessivamente. Na verdade, nunca o vencedor foi o que chega em segundo lugar, porque o segundo é segundo pela simples condição de não ter ultrapassado o primeiro até á meta, até ao fim. Mas no caso da vacinação esta verdade não é absoluta. A segunda fase da vacinação, espante-se, começou sem a primeira ter terminado e estamos a vacinar os pacientes a tratar antes dos médicos que os tratam. 

No que respeita aos médicos dentistas, acredito que como classe profissional maioritariamente a prestar cuidados de saúde privados, já por isso recaem na categoria dos empresários com deveres e não na dos profissionais de saúde com direitos. Além do mais, o risco a que estamos constantemente sujeitos pela proximidade do tratamento gerador de aerossol, já não é condição suficiente na       força necessária a implementar para a vacinação de 8500 médicos dentistas. Até porque provamos que os EPI’s estão a funcionar, com taxas de contágio ínfimas e        por isso, também justificativas para o não encerramento da atividade neste      segundo confinamento. 

Portanto, aprendemos a controlar o risco que corremos, logo, para o governo/task-force o nosso risco deixou de ser imperativo de controlar. A permanência da atividade aberta neste confinamento é, por si, um sinal para a população de que efetivamente o conseguimos fazer.  Logo, a vacinação dos médicos dentistas...pode esperar. Esperar até que haja mais vacinas, esperar até que só nós restemos na primeira fase.                    Os últimos dos primeiros. Os que por dever asseguram os cuidados de saúde oral da grande maioria da população, e que por dever têm de continuar a fazê-lo, sem direito à vacina, mesmo que esta lhes assista no papel, por direito. 

E queira Deus que o pouco que sabemos ainda acerca da imunidade que a vacina representa, não se transforme em nada. Porque continuamos a esquecermo-nos que este vírus já nos pregou uma série de partidas e que basta uma estirpe multirresistente para voltarmos à estaca zero. Antes da primeira ou da segunda fase em que, sem vacina, continuamos à mercê da nossa sorte. 

E a propósito de sorte, lembro-me daquele fazendeiro que tinha um cavalo meigo e terno que era a delícia do filho. Um dia o cavalo fugiu e o seu vizinho disse-lhe: “Que azar!” ao que o fazendeiro respondeu: “Sorte ou azar, nunca sabemos...”. Quando o filho fez 18 anos o fazendeiro ofereceu-lhe um cavalo novo, mas este era rebelde e quando o filho o tentou montar caiu e partiu uma perna. O seu vizinho disse-lhe:  “Que azar!” ao que o fazendeiro respondeu: “Sorte ou azar, nunca sabemos...”. No   mês seguinte o país entrou numa guerra e todos os rapazes com mais de 18 anos foram convocados. Menos o filho do fazendeiro. O seu vizinho, aquando duma visita disse-lhe: “Que sorte!” ao que o fazendeiro respondeu: “Sorte ou azar, nunca sabemos...”. 

Nas vacinas, como na vida...sorte ou azar, nunca sabemos. 

 

 

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