O JornalDentistry em 2022-3-17
Hoje, sento-me ao computador para escrever este editorial, com o fantasma de uma nova ordem mundial, ou pior, de uma ameaça nuclear.
Célia Coutinho Alves, DDS, PhD, médica dentista doutorada em periodontologia
Quando estudei história era uma adoles- cente com a utopia e a esperança inabalável, próprias dessa fase da vida. Hoje, sobretudo depois de ser mãe, a história é apenas um lugar que nos ensina. Ensina-nos, a quem quiser aprender, que ela se pode repetir. E em 2022, a história repete-se. E com ela volta a relativizar-se tudo, até o mais básico da pirâmide de Maslow que não está assegurado.
Parece que ainda agora estávamos a sair da suspensão que a pandemia nos impôs e já estamos de novo com a vida em suspenso. A voltar a pôr a tónica na fisiologia e na segurança, nos dois patamares mais básicos na hierarquia das necessidades. A verdade é que, e isso a história ensina-nos todos os dias, só há três coisas que governam o mundo: o dinheiro, o poder e o amor. São as três forças motrizes da humanidade, quer se queira, quer não. Se não, vejamos. Um homem com poder e com dinheiro decide invadir um país soberano sem poder e sem dinheiro. Um povo unido pelo amor a um país e aos seus, luta, inundado pela onda de um amor solidário sem precedentes e algum dinheiro. O outro lado do poder mina o dinheiro do invasor e com isso espera retirar-lhe força e poder.
Esta estratégia é correta, mas demora o seu tempo. Se o poder do inva- sor, não cair rápido pela implosão do seu financiamento, só o poder dos outros poderá ser mais célere a resolver o conflito, com incalculável número de baixas. Ambos os poderes se enfraquecerão, mas será o capitalismo invasor o que perderá mais dinheiro. Só por aí já percebemos quem ganhará a guerra do poder e do dinheiro. Mas o amor, esse já sabemos de que lado está. E crescerá á medida que for preciso, sem medida. É no amor que reside a força dum povo, não no seu dinheiro. É no amor solidário que reside a resistência e a sobrevivência da humanidade. Quem não aprendeu isto pela história não aprendeu nada de história.
Hoje continuamos a avançar na história, como médicos que ajudam pacientes a melhorar e a conservar a sua saúde oral. Sob um céu português sem sirenes e sem bombas. O amanhã escrever-se-á depois, não hoje. Continuamos com os sonhos e projetos de médicos dentistas que gostam do que fazem, com espírito de missão. Continuamos a avançar com vontade de abraçar novas competências, de estender o nosso campo de ação, de fazer mais e melhor pelos nossos pacientes. Continuamos a partilhar com os mais novos o que fomos aprendendo, com a obrigação genuína de fazer pelos outros o que fizeram por nós.
Quando estive em Boston, numa residência clínica com o Prof. Myron Nevins, um guru americano em periodontologia, a forma apaixonada e genuína como me transmitia tudo, absolutamente tudo o que sabia, fez-me um dia perguntar-lhe porque ensinava assim, daquela forma tão genuína e inteira, uma miúda do outro lado do oceano. Respondeu-me que não menosprezasse, porque era meu dever, a partir daquele momento fazer o mesmo. Era minha responsabilidade pegar em todos os ensina- mentos e multiplicá-los, pondo-os ao serviço dos outros. Afinal, não é nos seus alunos que se perpetuam todos os professores? E assim percebi cedo, que quanto mais recebes mais te é exigido que dês. O que o movia, dentro da periodontologia, não era nem o poder (que já tinha de sobra), nem o dinheiro. Era o amor à ciência e ao próximo. Era perceber que a periodontologia era maior que ele e que perduraria depois dele. E essa força é, de todas a mais contagiante e duradoura.
No mês em que se comemoram as mulheres, a poesia e a saúde oral, só falta comemorar a sabedoria de que nem o poder, nem o dinheiro perduram depois de nós. Só o amor.
Espero que os céus sobre nós se calem e se pacifiquem, e um céu de paz volte a cobrir todos. Porque somos todos livres e assim devemos, res- ponsavelmente, permanecer. E viver. Porque viver sem paz é apenas lutar para sobreviver e o nosso destino é maior do que isso. O nosso destino é evoluir permanentemente e para isso, não vale tudo. Não se pode tudo.