O JornalDentistry em 2017-12-04
Dentro de 20 anos, em Portugal, 80% dos doentes com VIH terão mais de 50 anos. Uma das consequências diretas é o aumento das doenças próprias da idade, com uma taxa de incidência muito superior à da população geral.
O Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência (CEMBE) da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (UL) e o Centro de Estudos Avançados da Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da Universidade Católica Portuguesa (FEUCP) apresentaram, com o apoio da Gilead e no âmbito das comemorações do Dia Mundial de Luta Contra a SIDA, um estudo que teve como objetivo avaliar o impacto do envelhecimento nas pessoas infetadas por VIH nos próximos 20 anos, realizando uma caracterização epidemiológica e estimativa dos impactos do envelhecimento nos níveis de saúde e na morbilidade e mortalidade desta população propondo iniciativas para uma melhor gestão da doença.
António Vaz Carneiro, coordenador e um dos autores do estudo “O Impacto do Envelhecimento nas Pessoas com VIH – Perspetivas Presentes e Desafios Futuros”, explica que “de acordo com as conclusões do estudo, têm-se vindo a registar tendências crescentes na prevalência do VIH entre pessoas com idade igual ou superior a 50 anos: uma realidade confirmada pelos resultados de estudos realizados recentemente que mostram que em todo o mundo, mais de 4.2 milhões de pessoas infetadas pelo VIH (PVIH) têm mais de 50 anos de idade, e 26% do total terá mais de 70 anos”.
“Em Portugal, estimativas da evolução da prevalência por grupo etário revelam um cenário preocupante: segundo o modelo que utilizámos, a proporção de PVIH com 50 e mais anos de idade aumentará dramaticamente ao longo dos próximos anos de 39% em 2015, para cerca de 80% em 2037. Ao contrário do que acontecia nos primeiros anos da pandemia, a população mais jovem registará dentro de 20 anos uma prevalência reduzida, com o grupo de indivíduos até 29 anos a representarem apenas 2% do número total e o dos da faixa etária entre os 30 e os 49 anos de idade, 18%”, conclui.
VIH: de doença fatal a doença crónica
Com a disponibilização de novos e mais eficazes medicamentos antirretrovíricos, a infeção por VIH deixou de ser uma condição fatal para passar a ser uma doença crónica, permitindo aos doentes uma esperança média de vida praticamente equiparada à da população em geral. A taxa de mortalidade das PVIH diminuiu drasticamente nos últimos anos, particularmente nos países desenvolvidos.
A par com o aumento da esperança de vida das PVIH, aumentam também as comorbilidades presentes na população em geral, só que em formas mais agravadas. “Envelhecem como o resto da população, desenvolvendo as mesmas comorbilidades que marcam a nossa população idosa, com uma agravante: não só surgem mais cedo como há um aumento significativo do risco dessas comorbilidades relacionadas com a idade nas PVIH, incluindo doença cardiovascular, doença neurocognitiva grave, doença renal crónica, doença hepática crónica e fraturas osteoporóticas”, aponta Vaz Carneiro.
Em alguns casos, as estimativas situam-se muito acima daquilo que poderia colher razoabilidade clínica. É o caso da osteoporose, cuja prevalência nas mulheres com VIH era, em 2015, de 16.5% e que dentro de 20 anos aumentará mais de 150%, para 40.8%. No mesmo patamar estão os acidentes cerebrovasculares, que aumentarão, nos homens de 80 para 222 eventos/ano em duas décadas e nas mulheres, de 25 para 61 eventos/ano, o que corresponde a um crescimento da sua incidência superior a 160%.
O envelhecimento das PVIH também acarreta riscos acrescidos no que respeita às doenças oncológicas. De acordo com os estudos analisados, o número de novos casos de carcinoma anal em PVIH irá aumentar entre 2015 e 2037 de 6 para 15 casos/ano nos homens e de 3 para 8 casos/ano nas mulheres, que corresponde a uma taxa de crescimento em número absoluto de casos nos próximos 20 anos de cerca de 250%.
O linfoma não-Hodgkin é a única comorbilidade oncológica que apresenta uma tendência decrescente no horizonte temporal avaliado. Uma situação explicada com o facto de esta condição apresentar maior incidência em grupos etários mais jovens, pelo que com o envelhecimento previsto da população infetada, a incidência apresentará, naturalmente, uma tendência decrescente.
Desafios para o futuro
Esta verdadeira revolução epidemiológica suscita questões relevantes, que as autoridades e a sociedade no seu todo terão que equacionar. O problema, conclui o estudo, é que o sistema de Saúde não está preparado - nem existem sinais de que o esteja a ser – para fazer face aos desafios que se apresentam nesta população particular. É necessário que se opere uma transformação no sistema.
O estudo sustenta a ideia de que temos que organizar os serviços de saúde a prestar às PVIH, mais velhas ou mais novas, o que irá requerer atenção e especialização em múltiplos domínios do sistema de saúde e seus responsáveis. Isto porque, refere Vaz Carneiro, “o local natural para tratar de doenças crónicas, riscos de saúde, e aumento de incidência de doença são os Cuidados de Saúde Primários e não os hospitais como hoje acontece relativamente às pessoas com infeção por VIH/SIDA”.
“A somar a tudo isto, verificar-se-á, nestes doentes, uma menor qualidade de vida e o isolamento social por estigma, que algumas das PVIH apresentam, o que condiciona o seu apoio regular. Sem suportes sociais funcionais a partir dos quais se possam obter cuidados e assistência, esta população buscará apoios mais formais num período de reduzidos recursos económicos”. Desta forma, conclui o investigador, “estes doentes serão relegados em idades precoces para serviços de cuidados de saúde domiciliários onerosos, assim como para cuidados continuados comunitários”
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