Um bom profissional fazia tudo para evitar extrair um dente e, como tal, tinha que fazer boa endodontia,
boa dentisteria, boa promoção de higiene oral e trabalho regular de manutenção periodontal. Para reabilitar
os pacientes, tinha que colocar boas próteses removíveis acrílicas e esqueléticas, que ainda hoje muitos pacientes
necessitam, e ser perfeccionista a preparar dentes para realização de coroas e pontes duradoras. Ainda tinha
que tratar crianças e fazer alguma ortodontia preventiva, referenciando-as posteriormente para os ortodontistas
credenciados, os quais eram ainda poucos na altura.
Com o passar dos anos, a Medicina Dentária foi-se subespecializando, tendo muitos profissionais começado a dedicar-se preferencialmente a determinadas áreas, mas o aparecimento e desenvolvimento da implantologia oral levou progressivamente àquilo que eu considero uma distorção do equilíbrio entre as subespecialidades da Medicina Dentária. Os poucos profissionais que tiveram a coragem desde cedo de se dedicar à implantologia faziam-se justamente
pagar muito bem, já que realizavam um trabalho de enorme valor acrescentado para a época.
Muitos dos outros profissionais viram então na implantologia uma mina de ouro em que se podia ganhar facilmente muito numa só hora de trabalho, o que levou a que uma enorme quantidade de médicos-dentistas jovens, depois de saírem da faculdade, já só considerassem a possibilidade de focalizar a sua atividade na colocação de implantes: a única especialidade sobre a qual nada tinham aprendido na licenciatura. O resultado foi o surgimento de um elevado
número de médicos dentistas que entram no mercado de trabalho sem serem capazes, nem terem vontade, de realizar com competência mínima tratamentos tão básicos como restaurações a compósito, extrações, endodontias, tratamentos preventivos ou mesmo próteses removíveis que os pacientes sejam capazes de usar. O grande problema é que a maior parte dos pacientes em Portugal precisa, neste momento, justamente deste tipo de tratamentos. Outro fator que tem contribuído para este problema é o desenvolvimento de clínicas em que o “core-business” está totalmente vocacionado para a implantologia em detrimento das outras subespecialidades. Só o implante e a coroa cerâmica é que têm um valor elevado na tabela de preços, enquanto tudo o resto é tratado como lixo. A começar pelo extenso rol de tratamentos gratuitos. Isto faz com que o médico dentista que se dedique à endodontia, odontopediatria ou periodontologia, ou a outra subespecialidade, seja totalmente injustiçado em relação àquele que faz implantes e que numa hora de trabalho ganha mais dinheiro que o colega a trabalhar todo o dia, de manhã até à noite. Isto é, além do mais, uma péssima
estratégia comercial, porque menospreza o lucro que se pode obter da realização de muitos outros trabalhos de Medicina Dentária executados com qualidade e eficiência. Não me parece justo, por exemplo, que uma endodontia completa de um molar possa valer por exemplo cerca de 100 euros, enquanto a cirurgia de colocação de um implante custa 7 ou 8 vezes mais. A juntar a isto surgiu ainda outra praga que são os protocolos com alguns “players” da saúde que se tornam intermediários no negócio, distribuindo uma quantidade infinita de magníficos cartões de plástico pelos pacientes e submetendo os médicos dentistas a tabelas infames em que mais uma vez a saúde oral no seu todo é completamente desprezada. Colocam tratamentos muito trabalhosos, de grande responsabilidade, a serem praticados gratuitamente, e todos os outros a preços abaixo de custo, com o objetivo final da colocação do implante “para ganhar dinheiro”. Fomenta-se com isto a exodontia (que ainda por cima é gratuita) e os tratamentos preventivos, tais como as consultas de higiene oral, selamento de fissuras e destartarização (supra-gengival, que foi o que o paciente pediu), são realizados pelos profissionais com cara de quem lhes está a correr mal o dia. Neste caso específico, acho que a Ordem devia
mesmo tomar medidas urgentes para salvaguardar a dignidade da nossa profissão.
Agora que o ato clínico de colocação de um implante dentário, por si só, já não tem grande valor acrescentado na medida em que uma enorme quantidade de médicos dentistas o realiza mais facilmente do que a restauração MOD a compósito de um molar, verifica-se exatamente aquilo que resulta da aplicação da lei da oferta e da procura em qualquer atividade:
o preço deste ato clínico vai, como é de prever, cair progressivamente. Em minha opinião, e espero que assim seja, vai descer até ao momento em que todas as subespecialidades serão valorizadas de forma similar, ou seja, os rendimentos da ortodontia, da prostodontia, da dentisteria ou da endodontia, por exemplo, vão ser equivalentes aos da implantologia. Em cada uma das especialidades ganhará melhor quem realizar mais trabalho diferenciado e quem realizar o seu trabalho com maior organização, qualidade e eficácia, tendo vantagem, por isso, aqueles que se dedicam a uma só área procurando o nível da excelência.
Só assim é possível colocar em funcionamento aquilo que eu considero a Clínica Ideal, aquela em que o dentista generalista realiza todos os seus atos clínicos com idêntica motivação ou em que vários profissionais trabalham de forma multidisciplinar e se sentem justamente remunerados entre si, sem que a implantologia tenha mais ou menos importância do que qualquer uma das outras valências. No final, trabalhamos todos com muito maior entusiasmo para fabricar
o produto que queremos vender a preço justo aos nossos pacientes: saúde oral! |