O JornalDentistry em 2020-3-16
Plano de contingência para ajustamento urgente da atividade clínica dos Serviços e Clínicas ou Consultórios de Estomatologia
Às Entidades Oficiais de Saúde: Ministério da Saúde, Direção Geral da Saúde (DGS), Administração Central dos Sistemas de Saúde (ACSS), Administrações Regionais de Saúde (ARS),
Aos Presidentes dos Conselhos de Administração Hospitalar públicos e privados,
Aos Diretores Clínicos públicos e privados,
Aos Diretores de Serviço ou de Unidade públicos e privados, Aos médicos especialistas em Estomatologia,
Aos médicos internos de especialidade em Estomatologia
À Comunicação Social
A toda a População
Perante a situação de risco epidemiológico da infeção COVID-19 pelo vírus SARS Cov-2, a Direção do Colégio de especialidade de Estomatologia da Ordem dos Médicos e a Direção da Associação dos Médicos Estomatologistas Portugueses (AMEP), emitem as seguintes recomendações.
Introdução
A infeção por coronavírus (COVID-19) é uma ameaça global.
A transmissão do agente ocorre, principalmente, através das vias aerodigestivas superiores. O vírus está presente nas gotículas geradas pela tosse ou espirros de indivíduos infetados, mas, é viável nas superfícies inertes podendo a contaminação ocorrer pelo contacto das mãos com o nariz, boca ou olhos.
Trata-se de um agente muito contagioso inclusivamente na fase assintomática. O período de incubação é, em média, de 14 dias, mas pode variar entre 2 a 24 dias.
Os sintomas iniciais da doença incluem febre, tosse seca e dores musculares. O agravamento do quadro caracteriza- se por dificuldade respiratória grave culminando, por vezes, em falência multiorgânica.
A taxa de letalidade estimada é de 3,4%, no entanto na população idosa a mortalidade é muito mais elevada. A existência de comorbilidades assume especial importância, sendo a doença cardíaca isquémica, a hipertensão e a diabetes, os fatores prognósticos negativos mais relevantes. O tratamento é demorado e obriga a meios diferenciados, que em muito influenciarão o prognóstico, bem como a morbilidade.
O rácio de cuidados intensivos em Portugal é dos mais baixos na Europa sendo imperativa a adoção de comportamentos que minimizem a probabilidade de infeção.
Contexto da Prática Clínica Estomatológica
A proximidade física e espacial entre o estomatologista e a pessoa observada, coloca doente e médico, em especial risco de contacto no contexto da infeção por SARS Cov-2.
Por outro lado, os tratamentos estomatológicos são demorados, e envolvem a utilização simultânea de ar comprimido e água o que aumenta exponencialmente o risco de contaminação.
Por essa razão, à luz do conhecimento adquirido e das recomendações dos grupos de trabalho internacionais recomendamos as seguintes medidas:
1. Controlo Administrativo
Suspensão do atendimento a doentes não urgentes - Adaptação da atividade clínica:
➢ Diminuir o número de doentes e seus acompanhantes nas instalações de saúde;
➢ Cancelar todas as consultas e todos os restantes atos médicos não urgentes;
➢ Devem realizar-se apenas as consultas / tratamentos considerados imprescindíveis pelo médico, nomeadamente sempre que o doente não esteja em perigo de vida ou em condição geradora de danos irreparáveis;
➢ Devem realizar-se tratamentos estomatológicos apenas em situações de necessidade urgente e inadiável de cuidados, de acordo com a indicação clínica, genericamente em casos de trauma, infeção oromaxilocervicofacial grave, hemorragia oral, dor orofacial aguda severa extrema farmacologicamente intratável e doentes em pré / tratamento oncológico.
➢ A realização de procedimentos produtores de aerossóis deve ser limitada a situações absolutamente indispensáveis (p.e. trepanação dentária por pulpite aguda em que a analgesia não seja eficaz, extrações cirúrgicas em contexto de infeções graves);
Reorganização dos horários e prerrogativas dos profissionais médicos
➢ Especialmente nos Serviços hospitalares, se o número de profissionais o permitir, desfasar horários para evitar contaminação dos profissionais e do ambiente.
➢ Os médicos devem recusar-se a prestar cuidados a doentes se não estiverem reunidas condições, designadamente de disponibilização de adequados equipamentos de proteção individual (EPI) ou se houver profissionais que deliberadamente não cumpram as indicações deste documento, devendo sinalizar as situações às hierarquias competentes.
Triagem de Doentes
➢ A triagem médica informática da patologia estomatológica deve ser mantida.
➢ Na triagem presencial todos os profissionais devem usar EPI adequado.
➢ Todos os doentes que venham a ser observados/tratados devem ser alvo de prévia história clinico- epidemiológica para COVID-19 e aferida a temperatura corporal.
Condições das instalações
➢ Os Serviços de Estomatologia em open space representam um risco acrescido na infeção cruzada. Os doentes suspeitos devem ser observados em locais com isolamento razoável.
➢ Os doentes infetados com COVID-19 devem ser observados/tratados em espaços físicos de isolamento e, se necessitarem de tratamentos que envolvam geração de aerossóis, em ambientes com pressão negativa.
➢ Redução da produção de aerossóis e gotículas em Estomatologia
➢ A realização de procedimentos produtores de aerossóis deve ser limitada a situações absolutamente indispensáveis e sempre com o uso de EPI adequado.
➢ Isso inclui a intubação oro ou nasotraqueal para anestesia geral e todos os procedimentos com recurso a
ultrassons, instrumentos rotatórios ou seringa de ar/água tais como:
- destartarização ultrassónica (“limpezas dentárias”); - aplicação de selantes de fissura;
- polimento coronário;
- branqueamentos dentários;
- preparação de cavidades dentárias para restaurações dentárias; - desvitalizações;
- preparação de dentes para prótese fixa;
- colocação de implantes dentários;
- extrações dentárias com necessidade de odontossecção (corte de dente) ou ostectomia (corte de osso); - outros procedimentos que envolvam ostectomia (corte de osso);
Formação em controlo da infeção e monitorização dos profissionais envolvidos nos cuidados de saúde
➢ Todos os profissionais devem submeter-se a formação e treino do controlo de infeção, de forma a familiarizar- se com as etapas de higienização das mãos e com a técnica de vestir e retirar os EPI.
➢ Todos os profissionais devem monitorizar diariamente a sua temperatura corporal no início e final dos seus turnos de trabalho e igualmente reportar aos serviços de saúde ocupacional a presença de qualquer sintoma suspeito.
2. Controlo Ambiental
Este tem como objetivo prevenir a difusão da infeção, reduzir a concentração de gotículas na atmosfera ambiente, e a contaminação de superfícies envolventes e de trabalho.
➢ Devem ventilar-se as salas de espera e os gabinetes de consulta, idealmente em pressão negativa; não devem ser usados gabinetes sem ventilação adequada.
➢ As portas dos corredores e dos Serviços devem, quando possível, permanecer abertas.
➢ Todas as superfícies potencialmente contaminadas por profissionais de saúde e doentes, devem ser limpas e desinfetadas entre doentes.
➢ Devem utilizar-se torneiras de comando não manual, idealmente com foto-sensor. Se inviável, as mesmas deverão ser objeto de limpeza e desinfeção após toda e qualquer utilização.
➢ O equipamento estomatológico tem regras próprias para a sua desinfeção, mas é indispensável desinfetar frequentemente interruptores, puxadores de portas, telefones, ratos e teclados dos computadores.
➢ A distribuição de recipientes para descartáveis deve ser adequada de forma a evitar o transporte de material infetado a longas distâncias.
3. Uso de Equipamento de Proteção individual (EPI)
Os dois níveis anteriores de controlo reduzem as áreas de exposição ao SARS CoV-2, mas não eliminam o risco
mútuo para os doentes e profissionais, decorrente das observações e dos procedimentos, assim:
➢ O uso de EPI é obrigatório. A não existência do equipamento adequado inviabiliza a realização de qualquer procedimento.
➢ O uso de máscara é obrigatório não apenas para o estomatologista e enfermeiro ou assistente, mas também para o doente (exceto durante a observação/tratamento).
➢ Deve ser usado equipamento de proteção ocular, viseira ou óculos.
➢ Incentivar o uso de bata ou avental impermeável.
➢ No doente de alto risco, ou seja, todos aqueles com sintomatologia respiratória ou alteração da temperatura
corporal e/ou em procedimentos geradores de aerossóis, adotar precauções extra, usando equipamento de proteção individual de todo o corpo, touca, luvas, máscara adequada ao grupo de risco e protetor ocular.
• Equipamento de proteção individual:
o Triagem / Observação: touca + máscara N95/PFF2 e P2 + óculos + bata descartável + luvas – Proteção de nível 1
(proteção mínima obrigatória em situação de pandemia, dada a generalizada probabilidade de contágio)
o Procedimentos não geradores de aerossóis em casos não suspeitos: Igual ao anterior + cobertura de pés + viseira /escudo facial - Proteção de nível 2
o Procedimentos geradores de aerossóis e nos casos suspeitos ou confirmados para SARS Cov- 2 (em qualquer circunstância) – acrescentar fato de proteção completo + máscara N99/PFF3 e P3 + capuz protetor + cobertura de pés impermeáveis descartável (sobre a anterior) – Proteção de nível 3
PFF – peça facial filtrante (descartável)
➢ ➢
4. MEDIDAS IMEDIATAS A TOMAR
➢ ➢Cancelar todos os episódios programados não urgentes com efeitos imediatos e até indicação em contrário;
➢ ➢Manter procedimentos de urgência/emergência, de acordo com a indicação clínica, genericamente nas situações de trauma, infeção oromaxilocervicofacial grave, hemorragia oral, dor orofacial aguda severa extrema farmacologicamente intratável ou nos doentes em pré / tratamento oncológico).
➢ ➢ Realizar todos os atos médicos em locais que disponham de ventilação adequada e onde seja possível assegurar um isolamento razoável;
➢ ➢ Todos os atos médicos a realizar em doentes suspeitos ou confirmados para o COVID 19, só podem ser realizados em quartos/instalações com pressão negativa (só disponíveis em alguns hospitais mais diferenciados);
➢ ➢ Desinfetar as salas com radiação UV (se disponível) ou pulverização das superfícies com solução de cloro a 2000 mg/L (a solução de cloro obtém-se pela mistura de 3L de água com 2L de lixivia, na dosagem normalmente fornecida – 5000 mg de cloro/L);
➢ ➢ A desinfeção deve ser feita pelo menos 2 vezes por dia ou sempre que exista contaminação;
➢ ➢ Após a utilização da solução de cloro a 2000 mg/L, o procedimento deve ser completado com a aplicação de álcool etílico a 70%;
➢ ➢ Antes do tratamento o doente deve bochechar com agentes com ação antiviral comprovada (peróxido de hidrogénio a 0,5% ou iodopovidona a 1%), durante 30 segundos;
Os profissionais devem utilizar equipamentos de proteção individual adequados, de acordo com o nível do risco:
Triagem / Observação - proteção de nível 1
Procedimentos não geradores de aerossóis - proteção de nível 2
Procedimentos geradores de aerossóis e nos casos suspeitos ou confirmados de infeção pelo SARS Cov-2 -
proteção de nível 3
CONCLUSÃO:
Recomendamos que a atividade clínica estomatológica seja drasticamente reduzida, limitando-se a diagnosticar e tratar os casos urgentes, até que o risco epidemiológico permita o regresso a uma atividade normal.
Desta forma, poderemos contribuir para a fase de mitigação protegendo, em simultâneo a cadeia assistencial dos Serviços e permitindo a alocação de recursos a quem verdadeiramente necessita dos nossos cuidados, de forma inadiável.
Dr. J. Serafim Freitas (OM 31806)
O presidente da Associação dos Médicos Estomatologistas Portugueses (AMEP) Dr. Rui Moreira (OM
O presidente da Direção do Colégio de especialidade de Estomatologia da Ordem dos Médicos